Parte Dois:

O Novo Homem. O que há com ele?

 

LS: Yves, seu pai aceitou você como homem?

YJ: Não sei, com meu pai existe um sentimento curioso de deslocamento entre nós que tem a ver tanto com a natureza reservada suíça dele quanto com a diferença incrível entre a minha educação e a dele. Ele cresceu em uma cidade montanhesa na Suíça, e eu cresci com esta formação de bairro de operários, de "colarinho azul". Meus pais se mudaram para os Estados Unidos antes de eu nascer e eu cresci jogando futebol no quintal e beisebol, vadiando por aí com um bando de filhos de operários. Meus pais sempre se sentiram separados, de verdade, de todos os seus vizinhos de diversas formas, porque eles eram muito diferentes. Então, não sei, meu pai e eu éramos tão diferentes que eu nem sequer entendo como foi que chegamos a alguma resolução quanto a isso, no final das contas.

CS: Como você acha que ele encara você?

YJ: Sei que sempre ficou claro que ele admira muitas de minhas qualidades. Eu tenho uma variedade de qualidades que vêm da minha mãe e são incrivelmente diferentes. Minha mãe é uma austríaca muito vigorosa, extremamente expansiva, quase a antítese do meu pai, isso á muito interessante. Então eu tenho muitas das qualidades dela, como ser uma pessoa expansiva, mesmo. Não me incomodo em falar em público e coisas assim. E ele admira essas coisas em mim e, por outro lado, eu sou muito orientado para os aspectos técnicos, de alguns modos. Ele é engenheiro e admira de verdade essas coisas em mim. E é interessante porque nós temos esta admiração mútua, com estes imensos abismos de coisas não-ditas em nossa família, e nem sei se elas jamais serão resolvidas, antes de morrermos.

ML: E eu descobri a mesma coisa em minha infância, também. Sou inglês, nasci na Inglaterra, minha família veio para cá com a Boeing, provavelmente na mesma época em que a família do Yves. "Colarinhos brancos" um pouco inferiores, em contraposição aos colarinhos azuis de classe mais alta, digamos assim. E se estabeleceram, coincidência ou não, a apenas uma colina ou duas de distância do lugar onde Yves se criou. E eu tinha de fazer a transição em tudo na minha vida. Porque a Inglaterra que minha família deixou para trás era diferente da América a que chegaram. E eu era hipersensível ao tempo, ciente de que estava crescendo aos sinais cruzados a que estava exposto na escola e em casa. E os costumes e a moral que regem como devemos fazer as coisas.

Eu estava ficando louco exatamente porque estava tendo de fazer a transição entre... as pessoas da minha família nunca tinham tentado incutir em si mesmos as idéias sobre como fazer as coisas aqui, e então acontecia que eu ganhava elogios na escola e depois ia pra casa e levava uma bronca, e levava uma bronca na escola e depois ia pra casa e ganhava elogios. Então eu ficava mesmo muito confuso: "O que está acontecendo aqui? Estou muito confuso! Ou eu estou fazendo as coisas certo ou não estou."

Para entender isso de outra forma, meu pai era órfão. Ele foi levado para o orfanato pela mãe quando tinha cinco anos, o que é uma história inteira que eu me recuso a sequer querer saber, no que se refere a ele. Ele já deu alguns sinais antes, como "Afasta-se, você não vai gostar que eu entre em detalhes sobre isso", o que para mim está perfeitamente bem, pois tenho certeza de que é a última coisa que ele gostaria que eu quisesse saber. E ele me contou, não faz muito tempo, que foi expulso do orfanato porque estava andando com o cara errado, que também foi expulso, e então, culpado por associação, ele foi expulso também e teve de entrar no exército.

Basicamente, então, ele foi criado pelos militares, e tudo no meu pai é bem voltado para a disciplina, e depois ele acabou se casando com uma mulher cujo pai também era militar, e com isso ela havia sido criada assim, também. Portanto, sempre houve um sentimento tão forte de disciplina na minha família por razões emocionais que eu gosto de pensar que é por isso que nasci no Dia dos Namorados americano: é porque eu tinha de "abrir a guarda" no lado emocional.

E depois, em termos dessa história da chegada da idade, há outras pessoas na minha vida, por exemplo, como antigos professores da escola que basicamente tinham de garantir para minha família que eu era um jovem digno de elogios, porque eles viam coisas que meus pais não viam, ou que passavam completamente despercebidas por eles, ou por causa da cultura original e da geração deles, ou pela educação que tiveram.

LS: Qual é a idade de seu pai? Só por curiosidade.

ML: Ele nasceu em 1927.

LS: Meu pai também.

ML: Meu pai pegou bem o finalzinho da Segunda Guerra Mundial. Ele foi destacado para a Palestina depois da guerra.

É estranho mesmo, porque nestes últimos anos eu percebi como, ele está aposentado agora, ele está aposentado já há alguns anos, e sempre que ele está assistindo TV e surfando pelos canais sempre pára na guerra. Ele surfa, surfa, surfa e daí aparece a Luftwaffe. Ele pára e assiste. E, claro, no ano passado foi o aniversário de 50 anos do Dia D e de Hiroshima e todo o resto. E isto é algo cujo simbolismo nossa geração nunca entenderá.

LS: Então ele passou pela Depressão.

ML: É sim. E pelo racionamento.

LS: O fator determinante dos pais do Malcolm e dos meus, não sei qual a idade dos seus pais, Yves.

YJ: Meu pai nasceu em 1939 e minha mãe nasceu em 1942. Eles tinham experiências completamente divergentes porque meu pai, estando na Suíça, lá nunca havia problemas por causa da guerra —

CS: — claro, eles eram neutros —

YJ: Meu avô tinha uma fábrica de caixas de música na Suíça e eles eram meio classe alta, e da parte da minha mãe na Áustria meu avô estava na Rússia e esteve depois em um campo de trabalhos, e aparentemente eles eram extremamente pobres, e então eles vêm de formações muito diferentes. Isto é outra coisa que os torna muito diferentes um do outro, ao vir para este país.

CS: Eu acho que isto quer dizer, para mim, que nenhum de vocês, Yves e Malcolm, necessariamente se relaciona com seus pais de maneira muito próxima.

YJ: Eu sou muito mais chegado à minha mãe.

ML: Eu sou muito mais chegado à minha mãe.

YJ: E isto afetou minhas escolhas das companheiras. Sempre sinto atração por mulheres muito fortes.

ML: Sempre sou atraído por mulheres muito fortes, também.

YJ: Nunca me senti atraído por alguma mulher que eu soubesse que poderia manipular.

ML: Ou uma que seja bajuladora ou subserviente.

LS: Eu não gostaria de ter uma dessas, também, eu queria uma que pudesse se defender sozinha. E também eu gostaria que ela pudesse compreender e reconhecer o ponto a que cheguei e o que está acontecendo, mas eu queria que ela fosse capaz de fazer o que fosse necessário para se defender sozinha. Mas o interessante é que nenhuma de minhas esposas tinha essas habilidades quando nos casamos.

ML: Sério?

LS: A mãe de Cason era totalmente incapaz socialmente. Ela fazia listas imensas de coisas para conversar quando íamos visitar algum casal à noite.

CS: Ela era a típica "filha protegida": todos viam, mas ninguém ouvia.

LS: Ah, ela era ouvida bem abertamente. Ela era ouvida BEM abertamente, mas apenas não em público.

CS: É muito interessante que vocês dois, Yves e Malcolm, especialmente sendo tão mais chegados às mães de vocês, compreendendo e cientes de como são os pais de vocês, e aceitando isso, mas nunca contando com algum tipo de proximidade ou aprendendo sobre como ser ou sequer desejar ser como seu pai é. Eu não disso com se fosse um fato. Mas você já... será que é mais importante obter, da geração anterior, informações sobre como é ser um homem?

YJ: Eu acho que fiz isso de uma porção de maneiras, pode parecer esquisito, por meio dos livros. Sempre fui leitor voraz.

CS: Livros, como? Você tem, sei lá, um personagem?

YJ: O que eu quero dizer, eu conseguir rastrear muito dos meus próprios pontos de desenvolvimento diretamente pelo que eu estivesse lendo à época, como quando li "Pé Na Estrada" no colégio, e depois eu ficava acordado a noite toda, fazia uma mochila e ia ao rio, acendia um lampião e começava a pensar sobre como é que eu podia ser este cara solitário, tão de repente.

Ou até antes, uma amiga da minha mãe tinha acabado de se divorciar, e o marido dela era um colecionador ávido de pornografia, e eu sabia disso. Eu tinha 13 anos na época e falei para um amigo de 16 anos do bairro: "Vai lá de carro e fala pra ela que estamos fazendo coleta de papel para reciclar. Eu sei que ela quer se livrar daquilo, ela vai deixar você encher o porta-malas com revista pornô." Daí, é claro que ele foi lá e voltou com o porta-malas cheio de revistas pornô. Nós as distribuímos para todos os garotos do bairro. Estreitamento de laços masculino.

ML: "Então mulher é ASSIM?!. Que legal!."

YJ: Bem, o que era engraçado é que eu costumava ler coisas como o "Penthouse Forum", para onde as pessoas escreviam fazendo suas perguntas sobre sexo, e foi onde aprendi como homem a agradar uma mulher. Ler sempre foi muito importante mesmo para compreender como eram as coisas. Não que eu ainda não tivesse um milhão de conceitos mal-formados.

CS: Sabe onde eu aprendi isso? Nas revistas "Glamour" e "Cosmopolitan". Minha mãe comprava as duas todos os meses no supermercado, e eu ficava assim "Então, o que é que eu preciso fazer?" "Veja na pág. 68, você já vai descobrir." "O que um homem realmente deseja de uma mulher" "O que uma mulher realmente deseja de um homem" Ah, então é isso que eu devo querer. Então é isso que eu devo fazer. Na "Glamour" eu aprendi mais, ou no mínimo foi de lá que veio a maior parte do que aprendi, pelo menos sobre como me relacionar com uma mulher no sentido íntimo, isso veio da "Glamour".

YJ: O que eu acho engraçado em ser pai agora, uma coisa que é estranha mesmo é que parece que eu sempre penso "Bem, eu estou indo melhor que meu pai." Mas, em um certo sentido, isto é fugir um pouco da raia. A pergunta deveria ser "O que eu posso fazer para ser o melhor que puder?"

LS: Você pensa nisso o tempo inteiro.

YJ: Para mim, relacionar isso com minha própria formação, de certa forma, é um pouco uma fuga da raia, porque eu não preciso realmente fazer tanto assim para ser melhor.

CS: Mas, quando você diz isso, deve ter algo em que está pensando, especificamente, que seu pai era ou não era.

YJ: Agora há pouco você, Larry, estava falando que ficava fora de casa três ou quatro noites por semana. E eu sei que meu pai simplesmente não pensava nisso naquela época. O tempo inteiro ele estava naquele programa de mestrado, por exemplo, ele estava constantemente fora. Ele sempre foi alguém que trabalha de 50 a 60 horas por semana. Trabalha muito aos sábados, e tal. Nos verões nós sempre fazíamos caminhadas pelo campo e coisas assim nos fins de semana, e estou satisfeito por isso. Eu percebo que houve uma certa inconsistência, da qual às vezes acho que sou culpado.

Com Sienna e eu, nossas vidas mudaram do menos complexo para o mais complexo. Quando Marcel nasceu nós morávamos em Denver, eu trabalhava com a venda de casas confiscadas pelo sistema financeiro de habitação, talvez trabalhando cerca de 25 horas por semana. Sienna não trabalhava em nada na época. Com o que sobrava do tempo, nós reformamos aquela casa antiga que compramos. E pelos primeiros dois anos da vida, o Marcel ficou conosco em casa. Foi ótimo, mesmo. Depois, QUANDO nos mudamos de volta para Seattle, comecei a trabalhar 40 horas por semana, nós dois começamos freqüentar a escola. Nós o colocamos no jardim de infância nessa época, quando ele tinha dois anos, o que é considerado uma sorte nossa, por muita gente. "Puxa, vocês conseguiram ficar com ele em casa por dois anos." Todo mundo vem conversar comigo no trabalho, todas as mulheres e homens, e todos tiveram apenas três meses de licença. Tenho alguns amigos cuja mulher, primeiramente, ficou em casa por três meses e depois o homem ficou em casa por três meses, e já achavam isso bastante.

LS: Em alguns momentos eu encarei isso como sendo egoísmo também. Eu queria estar em casa quando as crianças voltassem porque é isso o que eu queria. Seja porque era o desafio que voltava de saber se isso era o melhor para as crianças. E quando voltamos para a cidade, uma das coisas que funcionaram muito bem foi colocá-las na pré-escola ou no jardim da infância. Elas tiveram muitas interações sociais. Foi realmente melhor para as crianças.

YJ: Mas daí você pensa "Será que isso é fugir da raia?" Pensar que elas estão melhor lá? Quero dizer, Marcel foi uma criança realmente solitária, ele não tinha um monte de crianças para brincar em Denver, todas as crianças eram mais velhas. E depois, quando nos mudamos de volta para Seattle e moramos em Capitol Hill também não havia muitas crianças pequenas e, sim, ele aprendeu muitas aptidões sociais também, e tem todos esses amigos, e eu penso: "Bem, será que só estou pensando isso porque me sinto culpado por ter menos tempo?"

E com a criação desta revista, eu estou trabalhando, indo para a escola e trabalhando na criação da revista. Tenho ficado fora diversas noites e normalmente meu tempo à noite é meu "tempo de qualidade" com Marcel. Então, estou me sentindo muito culpado com isso, recentemente.

Parte Três: O Novo Homem. O que há com ele?